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VARNHAGEN E A CAPITAL DA REPÚBLICA

Por Jarbas Silva Marques

 Decorridos mais de trinta dias do aniversário de nascimento do pai da Historiografia Brasileira, Francisco Adolpho de Varnhagen, não houve nenhum registro na imprensa brasileira de manifestações dos institutos históricos, da Academia Brasileira de Letras, da qual é o patrono da Cadeira nº 39, do seu estado natal e do Congresso Nacional.

Em Brasília e no Distrito Federal – onde, em 1877, Varnhagen percorreu, às suas expensas, realizando a primeira expedição científica para a localização e mudança da capital federal – ele foi lembrado pelo editor Victor Alegria que publicou a terceira edição do livro “A Questão da Capital: Marítima ou no Interior?” e pelo historiador militar Manoel Soriano Neto que gestionou o Exército Brasileiro a homenageá-lo, nominando a 3ª Brigada de Infantaria Motorizada, sediada em Cristalina, com a denominação histórica de “Brigada Visconde de Porto Seguro”.

O MILITAR

Francisco Adolpho de Varnhagen nasceu no dia 17 de fevereiro de 1816, na fábrica de ferro de São João do Ipanema, hoje Sorocaba, filho do mineralogista e militar Frederico Luis Guilherme de Varnhagen, alemão, natural de Arolsen, do principado alemão de Waldeck, veio para o Brasil no posto de Sargento-Mor do Real Corpo de Engenheiros da Metrópole Portuguesa com a tarefa de dinamizar a fábrica de ferro, pouco antes da vinda da Família Real em 1808. Sua mãe, Maria Flávia de Sá Magalhães era portuguesa, natural de Lisboa.

O pai de Varnhagen retornou a Portugal em 1822, quando da Independência, acompanhando Dom João VI, e levou toda a família.

Em Portugal, onde chegou com seis anos de idade, fez os cursos primário e secundário e o de engenheiro militar, no qual obteve sempre os primeiros lugares.

Aos 17 anos, ainda menor, alista-se, voluntariamente, para combater, ao lado de Dom Pedro I, na luta contra Dom Miguel, que usurpara o trono português de Dona Maria da Glória, sua sobrinha. Dom Pedro o nomeia oficial.

Esse engajamento iria lhe provocar inúmeros problemas, pois ele, embora lutando ao lado do proclamador da Independência Brasileira, não requerera autorização ao Império Brasileiro.

Em 24 de setembro de 1841, foi promulgado um decreto anistiando os brasileiros que lutaram em Portugal, ao lado de Dom Pedro I, sem a licença imperial brasileira. Varnhagen, que era 1º Tenente de Artilharia no Exército Português, requerera incorporação ao Exército Imperial Brasileiro e, no dia 06 de junho de 1842, é incorporado como 2º Tenente.

Passam-se anos e oficiais mais novos são promovidos e ele continua no posto de 2º Tenente sem promoção. Altivamente, ele protesta e graças a esse fato, passa à carreira diplomática.

O DIPLOMATA

Graças à sua erudita formação em questões de matemática, geografia e cosmografia, adquirida na Real Academia de Fortificações de Portugal, e da sua condição de poliglota, Francisco Adolpho de Varnhagen iniciou sua carreira em 1842, aos 26 anos, nomeado como Adido a legação do Brasil em Lisboa.

Em 1847, promovido a Primeiro-Secretário, é transferido para Madri e em 1851 passa a ser o Encarregado de Negócios. Na Península Ibérica, como diplomata, permaneceu seis anos em Portugal e dez na Espanha.

Como veremos adiante, essa é a fase em que o Brasil ganhou o seu primeiro e maior historiógrafo a mergulhar nos arquivos coloniais de Portugal e Espanha. Seus colegas diplomatas diziam, à época, que ele “trabalhava 28 horas por dia”.

Promovido a Ministro Residente em 9 de dezembro de 1858   no Paraguai, ele inicia a sua fase na américa hispânica.

Sua capacidade de indignação era imensa. Exasperado diante das torturas, assassinatos, corrupção e a miséria infligida ao povo paraguaio por Carlos Antonio López – pai de Francisco Solano López – Varnhagen preferiu correr o risco de ser demitido como diplomata e, sem autorização, retirou-se do Paraguai e dirigiu-se ao Rio de Janeiro. Ele anteviu o que os dois ditadores – pai e filho – iriam gerar na maior conflagração já havida na América Latina.

O Governo Brasileiro que lhe ouviu a exposição sobre a realidade paraguaia, irresponsavelmente não foi sensível à tragédia que se avizinhava e o transferiu para a Venezuela em 19 de janeiro de 1861, estendendo a sua ação diplomática às repúblicas de Nova Granada (atualmente a Colômbia) e Equador.
Em 30 de maio de 1863, é removido para Lima e acreditado pelos governos do Chile e do Equador.

No Peru, além de conduzir as negociações oriundas da abertura do Rio Amazonas e uma parte de seus afluentes ao comércio universal, energicamente, Varnhagen reagiu ao General Pardo pelo apoio que liderou junto com a Bolívia, o Chile e o Equador ao ditador paraguaio Francisco Solano López. Indignado, pediu seus passaportes e retirou-se do Peru.

Essa ação corajosa valeu-lhe a transferência, em 1868, para a Áustria, na condição de Ministro Plenipotenciário, onde morreria em Viena a 29 de junho de 1878

 

 

O PESQUISADOR

Poucos intelectuais no Brasil possuem uma característica multifacética como Francisco Adolpho de Varnhagen; paleógrafo, geógrafo, biográfo, matemático, poeta, dramaturgo, historiográfo e historiador.

Em 1838, quando se fundava, no Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – a entidade mais antiga na preservação da história e geografia brasileira – Varnhagen escreve em Lisboa, aos 22 anos,  “Reflexões Críticas sobre Gabriel Soares de Sousa e Seu “Notícias do Brasil”, editado pela Academia Real de Ciências de Lisboa”.

Em agosto desse mesmo ano, ele descobre o túmulo de Pedro Álvares Cabral, no Presbitério do Convento da Graça, em Santarém,  quando era ainda aluno da Real Academia de Fortificações.
Escrevendo ao Cônego Januário da Cunha Barbosa, em 10 de novembro de 1839, a propósito dessa primeira descoberta feita pelo jovem paulista, Menezes de Drummond, ele acentua o fato notável de ter sido um brasileiro “Quem descobriu as cinzas do descobridor do Brasil, ignoradas 300 anos de seus próprios”.

Ainda em 1839, ele publica, em Lisboa, o “Diário de Navegação” de Pero Lopes de Souza, levantando os mais preciosos documentos da exploração da costa meridional do Brasil, seguindo-se à publicação de dezenas de documentos inéditos sobre o Brasil que ele envia para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, disponibilizando-o para pesquisadores e historiadores.

Em 1846, edita “O Caramuru perante a História”, recebendo uma premiação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro pelo aspecto pioneiro de sua obra.

Publica em 1850 “Florilégio da Poesia Brasileira”, em três volumes, que é o primeiro levantamento da poesia brasileira, seguindo-se ao drama histórico que escreveu sobre Amador Bueno e “Trovas e Cantares de um Códice o XIV Século”, que é o celebre “Cancioneiro do Colégio dos Nobres”, ilustrado e editado por ele. Nesse mesmo ano, sob o título de “Memorial Orgânico”, organiza documentos que tratam da escravidão.

Nessa época, surge o movimento para retornar a capital para Salvador, e ele inicia a sua luta pela interiorização da capital do Império, citando, em sua argumentação, os exemplos da Inglaterra, França, Prússia, Áustria, Rússia e Espanha.

Em 1854, publica “História Geral do Brasil” que o qualifica com a adjetivação de “Pai da Historiografia Brasileira”, título reconhecido até mesmo por seus adversários em polêmicas históricas por décadas.

Quando da sua estada em Lima, apesar da atividade diplomática, sua assombrosa capacidade de trabalho e a sua temerária  coragem de polemizar, torna-se o paladino da reabilitação histórica de Américo Vespúcio, reconhecida pelos historiadores modernos americanos, Justin Windsor e John Fiske.

Os espanhóis, capitaneados pelo historiador Herrera, passam a difamar Américo Vespúcio, dizendo que “ele queria roubar a glória de Cristovam Colombo”.

Varnhagen,  em dez opúsculos publicados em francês, italiano, espanhol e alemão, prova então que Américo Vespúcio esteve nas Américas por seis vezes, desde 1497 a 1505, quando explorou, minunciosamente, a Costa Americana, desde o Cabo Canaveral até Dariano e Atrato, e que Vincent Yanes Pinzon e Juan Dias de Solis acompanharam Vespúcio em sua primeira viagem às Américas.

O seu arraigado patriotismo ao Brasil se manifesta por ocasião da Guerra do Paraguai – ele que colocara em risco sua carreira diplomática protestando contra Carlos Antonio López – inicia a redação da “História das lutas com os holandeses no Brasil – desde 1624 até 1654” -, como forma de encorajar os combatentes na guerra que se alongava e dar-lhes o exemplo dos trinta anos da luta para expulsar os holandeses.

O seu último trabalho histórico, a “História da Independência do Brasil”, foi editado postumamente por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com as notas do Barão do Rio Branco.

Foi graças aos documentos historiográficos reunidos por Francisco Adolpho Varnhagen que o Barão do Rio Branco escreveu as as eternizadas “Efemérides Brasileiras”, até hoje sem nenhum erro. Para que se dê uma pálida mostra sobre o “Pai da Historiografia Brasileira” e sua produção intelectual, quando pesquisei no Arquivo Histórico do Itamaraty, na Seção XXI de Economia, encontrei o “Mapa das Pessoas que cobram Propina”, escrito por Varnhagen.

O MUDANCISTA

Em 1876, quando exercia o cargo de Ministro Plenipotenciário do Brasil no Império Austro-Húngaro, Francisco Adolpho de Varnhagen pedia licença e veio para o Brasil, com o objetivo – graças a sua formação de engenheiro militar – de localizar, no Planalto Central Brasileiro, o lugar ideal para sediar a capital federal.

Às suas expensas, ele saiu do Rio de Janeiro e veio de trem de ferro até Uberaba – onde terminava a linha férrea – e com os equipamentos científicos que trouxera, em lombo de burros, esquadrinhou o Planalto Central, descobrindo as nascentes das três grandes bacias “onde, a menos de um tiro de fuzil uma das outras, se vêem as cabeceiras dos ribeirões Santa Rita, vertente ao rio São Francisco pelo Preto; Bandeirinhas, vertente ao Amazonas, pelo Paranan e Tocantins, e Sítio-Novo, vertente ao Prata, pelo São Bartolomeu e grande Paraná”.

No seu estudo “A questão da Capital: Marítima ou no Interior?”, ele batizou como o local ideal o triângulo formado pelas Lagoas Formosa, Feia e Mestre D’Armas.

Em 1892, cumprindo a Primeira Constituição Republicana, o astrônomo Luiz Cruls e sua equipe demarcou o que passou à História como o “Quadrilátero Cruls” e, em 1947,  Antonio de Arruda Câmara e Guiomar de Arruda Câmara deram nome a esse fenômeno de “Santuário das Águas Emendadas”, quando faziam o Relatório Econômico da Missão Polli Coelho, sendo que Guiomar de Arruda Câmara fez os primeiros mapas de Águas Emendadas, que está a menos de 50 quilômetros de Brasília.

Francisco Adolpho de Varnhagen contraiu tuberculose na sua pesquisa no Planalto Central e faleceu em Viena no dia 29 de junho de 1878. Ele deixou dois pedidos: o de ser enterrado em Sorocaba, São Paulo, e o de seus filhos poderem usar no sobrenome “Porto Seguro”, em razão do título de Visconde de Porto Seguro, agraciado em 18 de maio de 1874 pelo Imperador Dom Pedro II, numa homenagem ao local onde aportou Pedro Alves Cabral e tomou posse do Brasil, e em razão de ter sido ele que descobriu onde Cabral estava sepultado.

Em razão de sua esposa ser chilena – ele se casou com Carmem Ovalle, com quem teve dois filhos, Frederico e Luiz – foi sepultado em Santiago.

Em 1921, o general Max Fleuiss, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, iniciou um movimento para cumprir a última vontade de Francisco Adolpho Varnhagen: ser sepultado em sua terra natal, Sorocaba.

Esse pedido de Varnhagen só veio a ser cumprido no dia 24 de junho de 1978, quando seus restos mortais partiram de Santiago, no Chile, no Boeing 707 da VARIG, vôo 923, com destino a São Paulo, e de São Paulo foi levado a Sorocaba, onde está sepultado.

DEDICATÓRIA

Dedico esse pequeno artigo ao jornalista e historiador, Luiz Adolfo Pinheiro, meu amigo e confrade no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Tínhamos um projeto de fazermos juntos as “Efemérides Políticas de Brasília” no cinqüentenário da sua inauguração, o que não mais se dará pelo seu falecimento na última quarta-feira de cinzas.

Jarbas Silva Marques


Ex diretor de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal e
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.

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ISSN -  2447-8601