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CAVALHADAS
Por Bruno Santiago
Desde
o século XVIII, nas regiões do Brasil Português
administrativamente pertencentes à Capitania de São
Paulo, que esses eventos são realizadas.
Trata-se comumente da representação da luta entre dois
mundos, na recuada Idade Média portuguesa: mouros versus cristãos.
Praticadas a mais de dois séculos e meio nas terras portuguesas
da América, tornaram-se célebres no Planalto Central
Brasileiro, particularmente em Goiás.
As Cavallhadas de Pirenópolis, acontece anualmente, na Arena das Cavalhadas,
construída exclusivamente para sediar o evento.
Mas este retrato de uma
era, realmente fundamenta-se na História? Essas lutas entre
os mundos cristão e muçulmano de fato ocorreram na idade
média? Sim certamente ocorreram, mas em que situação
chegou até nos?
É bem verdade que muito antes da chegada das naus portuguesas
à terra de Santa Cruz (Brasil) o reino luso já estava
livre da ameaça muçulmana. Desde 1249 quando as hostes
cristãs de D. Afonso III toma as vilas-praças fortes
mouras de Faro, Albufeira, Silves e Porches, que o antigo reino do
Al Garb, une-se à cristandade. O monarca em questão,
D. Afonso III chamado “o Bolonhês” devido a seu
casamento com a Condessa de Bolonha D. Matilde, encerra para Portugal
a tormentosa Reconquista, versão das Cruzadas na Península
Ibérica.
Ora o reino já não mantem liça com o mundo muçulmano
em seu território, ao contrário dos vizinhos castelhanos
que amargam mais de dois séculos em refregas com os mouros.
Agora a maior ameaça não vem do Islã, mas do
outro lado da fronteira. São com os castelhanos as lutas, verdadeiras
guerras mortais que perseguirão os séculos até
praticamente os anos 1800. É certo que durante este mesmo reinado
afonsino, em 1267, o Tratado de Badajoz estabelece a divisa entre
os dois reinos cristãos, Castela e Portugal; mas as lutas prosseguem
e atingem o clímax nos anos 1640 a 1660, na campanha pela independência
portuguesa conhecida como Restauração. Deve-se a liberdade
do reino luso a D. João IV, o Bragança, que iniciará
uma das mais longevas dinastias reais do mundo. (01)
Basicamente desde sua formação como reino em 1143,
sob o reinado de D. Afonso Henriques, as lutas com os castelhanos,
depois, espanhóis, durarão até as guerras napoleônicas
em 1811. Portanto somam-se mais de seis séculos! de guerras
contra seus primos cristãos, de mesma fé e rebanho religioso.
Já as guerras contra o mundo muçulmano duram apenas
um século, quando o mesmo D. Afonso Henriques inicia-se as
lutas contra o reino mouro de Al Garb, tomando a extensa região
do Alentejo – além do rio Tejo – encerrando com
D. Afonso III já mencionado.
Então porque este curto período (um século) na
longa história lusitana, é considerado até os
tempos atuais? E mais, porque transpassou os mares chegando até
o Novo Mundo em terras brasileiras, mais especificamente, goianas?
Não deveria ser relembrada a quase milenar luta contra os vizinhos
cristãos de Castela? São perguntas que os historiadores
deverão responder, mas num instante, a ilação
reconhece que no mesmo momento em que se celebra um passado transcendental
mantem-se a separação, a distancia entre dois mundos
que deveriam se unir: cristãos e muçulmanos. Mais, mantem-se
a recordação de uma era de guerra: as cruzadas que em
Portugal não legou quase nenhuma celebração revificada
em teatros de batalha ao ar livre. Os registros históricos
atuais, e turísticos em especial, apontam para
as cavalgadas de Trás os Montes, que relembram as lutas contra
os mouros, em estilo bem mais modesto que os deslumbrantes cavaleiros
em suas roupagens na prazerosa cidade goiana de Pirenópolis.
Talvez haja uma consideração que se aproxime as respostas
requeridas acima. A civilização islâmica que por
séculos povoou o imaginário ibérico, e ibero-americano,
com o barbarismo típico do “outro” não poderia
figurar como uma vizinhança territorial e histórica
convencional. Era preciso manifestar na mentalidade cristã
portuguesa - e de suas colônias – o barbarismo e
a infidelidade imanentes ao mouro. Mesmo que os choques tenham sido
guardados no longínquo século XIII. Atesta a História
que a saga da Reconquista,e portanto, a luta contra o mouro invasor,
conclui-se com a (re) tomada do Algarve; mas e as lutas empreendidas
pela Casa de Aviz no norte africano, não constitui ainda aspectos
da Reconquista cristã, ou da guerra santa, justa, contra os
mouros? Significativamente não. Mesmo as lutas contra os emirados
islâmicos de África e Oriente Médio. O mundo muçulmano
já não representava mais ameaça ao Reino Português,
como representavam de fato os primos vizinhos castelhanos. (2)
Mas os caminhos e descaminhos da História fez criar no Novo
Mundo esse painel artístico e civilizacional que personifica
três civilizações: portugueses, mouros e brasileiros.
E por tudo quanto se diz e escreve há que se acrescentar o
aspecto: em terras goianas, a mística das cavalhadas personifica
o imaginário de um povo, unido em comunhão com todos.
Embora todos esperam ansiosos e seguros que as hostes cristãs
triunfarão, nada situa a ingente presença moura (sírio-libanesa)
em Goiás no lado infiel. Todos são verdadeiros fiéis
na cultura e no espírito cerratense de harmonia e convivência.
Serrão, Joaquim Veríssimo.
História das Genealogias Portuguesas. Europa-América.
Lisboa, 1997. P. 18-21.
Sérgio, Antônio. In: Lópes, Fernão. Crônicas
de D. João I. Portugália Ed. 1969. p. 13-15.
Quadro pintado por Pérsio Forzani, tradicional personagem de Pirenópolis.
Retrata, na suas telas, a
cultura pirenopolina com fidelidade e arte, remontando as primeira décadas do século XVIII, a partir da criação do Arraial de Meia Ponte, aos dias atuais.
V o l t a r
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