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Pedra Fundamental da construção da capital - 1922
Americano do Brasil propõe criar administração do DF
Anais da Câmara dos Deputados, 1922, vol. XI, p. 224-237,
sessão de 23 de outubro de 1922[cf. AH2:134-148]

O sr. Americano do Brasil  — Sr. presidente, tenho observado, com real satisfação, nestes últimos tempos, que o lapso vencido de mais um dia conquista sempre um ou vários adeptos para a fileira patriótica dos defensores do problema arraigado já profundamente na consciência nacional, da transferência da capital do país para as saudáveis altitudes do planalto central.

Como o transcurso das eras demuda a opinião dos homens! Há bem poucos anos ainda o simples enunciado do tema sobre que decorrerá esta modesta oração teria feito aflorar um riso irônico aos lábios dos circunstantes; hoje, felizmente, para nossos créditos garantidos de patriotismo, somente o anelo da realização, o mais breve possível, da secular promessa acende em nossos espíritos as soberbas proporções do sonho de José Bonifácio, no centro do qual a pátria ressurge, idealmente, poderosa e imensa.

A coorte inimiga do brilhante projeto, que desde a Inconfidência vem iluminando os dias mais amargos da nacionalidade, já não existe, parece tão rareada que a luz meridiana esconde suas convicções; é que todos os seus argumentos estão decididamente falidos diante dos presagos acontecimentos desencadeados sobre o país, que, glória de todos, vale muito mais, excede todas as comodidades individuais. O monumento  singelo mas eloqüente da pedra basilar, ereto no rincão ameno escolhido para o novo Distrito Federal, a 7 de setembro, foi também uma resposta esmagadora aos paradoxais princípios dos incrédulos e a prova de que os homens de Estado já edificaram no ânimo a convicção da necessidade de agir, favorecendo o dispositivo constitucional que há três longas décadas de vida republicana espera seu cumprimento definitivo.

A pedra fundamental será de hoje em diante um lembrete perene a recordar aos governos um dever irrevogável, a inspirar aos povos dos quaro pontos cardiais do país novo alento, prenunciando a vinda de dias promissores para a nacionalidade. As atuais circunstâncias, que vence o Brasil dificilmente, ao invés de constituir poderoso empecilho à efetivação do magno problema, vem mostrar a imperiosa conveniência de, seja como for, ativar a mudança projetada, lançando-se mão de todos os meios ao alcance, pondo-se em evidência todos os esforços latentes do país, suficientemente rico para atrair os grandes capitais necessários e outorgar-lhes percentagens rendosas.

Basta, sr. presidente, um pouco de reflexão, é suficiente pensar nos vantajosos privilégios que poderíamos conceder à companhia que se propusesse a edificar a nova capital: a própria terra imensa, que anseia pelo progresso, oferece aos estadistas condições e bases seguras para a futura realização. Se os momentos de agora anunciam crise, se a transferência se impõe para felicidade do país, organizemos o balanço de nossas possibilidades e procuremos, empregando a lei do menor esforço, a incógnita desejada.

Sr. presidente, esta incógnita, resposta definitiva ao problema secular, está encontrada no projeto que a 21 do corrente deixei sobre a mesa da Câmara, autorizando a concorrência pública para a edificação da nova cidade, podendo o Executivo fazer cessão dos privilégios de luz e força, água, telefone e viação urbana, obrigando-se a companhia cuja proposta for aceita a construir todos os edifícios públicos para a instalação do governo e desempenhar outros encargos também discriminados.

A menos que não se recorra à emissão ou ao empréstimo, é este o único expediente capaz de êxito completo e devo lembrar que já constituiu objeto de estudo sério nesta Casa, em 1908, uma proposta do engenheiro francês A. Leyret, reunindo, em conjunto, os mesmos requisitos do atual projeto.

Que seja esta a melhor solução do problema, não serei tão apressado em afirmar; mas que nenhuma outra poderia ser mais patrioticamente aconselhada é coisa inegável à luz meridiana.
Ainda ontem um ilustre órgão da imprensa carioda O Brasil, cujo programa é favorável à mudança da capital, abordando este lado do projeto, o de concorrência, ponderava que não seria de aconselhar o pesado ônus a recair sobre a cidade em perspectiva, com a adoção de semelhante medida, encarando a transmissão de serviços altamente significativos na vida das coletividades.

Mas eu pergunto: aqui no Rio de Janeiro, como nas principais cidades do Brasil, os serviços de luz, esgoto, telefone, viação, não dependem de particulares ou de companhias? Ninguém poderá negar.

Por que então, se o erro vem de longe, recusar a concorrência neste caso imprescindível, de que resultarão tantos benefícios ao país inteiro?

Há no projeto um ponto, uma cláusula que atende em parte o inconveniente desses privilégios: as companhias concorrentes devem ter sede no país, ao contrário de outras organizações existentes entre nós, e que conservam seu escritório central em nações estrangeiras.

É um grande mal que o projeto em questão não saberia aconselhar.

O alto significado econômico e financeiro do breve comentário daquele jornal me obriga a estas considerações; mas acredito antes continuar a ser o grande mal do Brasil, não o das concorrências, mas o da falta de nacionalização de nosso comércio, o maior problema nacional.
Sr. presidente, assunto da maior relevância, envolvendo opinião favorável dos vultos mais representativos dos grandes momentos da pátria, de José Bonifácio a Rio Branco, no Parlamento brasileiro, vozes profundamente autorizadas se têm levantado em sua defesa ou à procura de sua efetivação. Vem, neste instante, muito a propósito revistar a longa série dos nomes entusiastas que nesta e na outra Casa do Congresso procuraram justificar medidas sintetizadas em valiosos projetos, dispondo sobre a mudança da capital da República. A duas interessantes séries poderão ser filiadas todas estas proposições: ou se encaminharam pelo terreno que aconselha à União executar diretamente os trabalhos da transferência, ou preferiram isentar os cofres públicos de quaisquer ônus, entregando a terceiros a direção do importante empreendimento.

Sá Freire, em 1899, foi porta-voz de notável projeto, a respeito, que, talvez pelos pesados encargos previstos contra a União, não logrou triunfar. Estudando amplamente o problema da mudança da capital, essa proposição foi condenada por causa da política financeira que advogava e só assim podemos interpretar o silêncio que conquistou na pasta das Comissões.

No Senado, em 1905, Nogueira Paranaguá, esforçado batalhador do grande ideal, sob moldes mais amplos ainda e mais compreensíveis, fez ressurgir o interessante debate com a apresentação de um projeto que mereceu, impatrioticamente, ser rejeitado após ligeira discussão, em 1908.

Entretanto, deve-se observar que, no mesmo ano, o engenheiro francês A. Leyret, com Jesuíno Maciel e M. Teixeira Lopes Guimarães, requereu ao Congresso Nacional o privilégio para a construção da nova capital, mediante a concessão de alguns favores, notadamente a exploração do fornecimento de força, luz, água, telefone, viação ao projetado núcleo social.

Submetida a proposta a rigoroso estudo um ou dois anos depois, o Congresso resolveu aprová-la desde que os requerentes se mostrassem habilitados.A Leyret foi para a França e nada mais houve sobre a tentativa.

Em 23 de novembro de 1911, o ilustre representante de Goiás, hoje general Eduardo Sócrates, justificou um belo projeto que autorizava a mudança, sem ônus para a Nação, mediante determinadas concessões às companhias proponentes, o meio que parece mais prático adotar e que vem desenvolvido na proposição ora apresentada à Câmara dos Deputados.

Em 1919, seja dito, houve ainda o projeto Chermont, que merece uma citação especial neste carinhoso esboço de lembranças. Dentro do Parlamento foi tudo, creio, quanto a Nação presenciou, sendo justiça recordar que entre os artigos de imprensa desse ano de 1919, da autoria do assaz erudito dr. João Coelho Gomes Ribeiro, um, altamente nacional, aconselhava o lançamento em 1922, por ocasião do centenário, das pedras fundamentais do palácio do COngresso, no planalto central.

Mas, sr. presidente, nenhum dos projetos acima referidos, prúridos valiosos de patriotismo, lograram andamento, quer em uma, quer em outra Casa do Congresso, concorrendo certeiros para o enriquecimento do patrimônio dos arquivos.

Conhecido todo esse passado, foi com indizível surpresa que, em 1921, os propagandistas da mudança da capital receberam a passagem da proposição sobre a pedra fundamental da nova metrópole, o primeiro sopro de alento que sacudiu a fibra adormecida, o sonho máximo do patriarca, inserto no Ato Adicional [?] e na Constituição republicana.

Sem a mis-en-scène das discussões pomposas, o projeto 480-A [680-A], de 1921, do modesto orador e do distinto deputado maranhense sr. Rodrigues Machado, reuniu a aprovação do Congresso, unanimemente, parecendo significar que o Poder Legislativo, enfim, se convencera de que o futuro da política social e econômica da pátria devia ter irradiação do centro para a periferia, estreitando as relações entre os Estados, aproximando os sentimentos de unidade nacional.

A significativa vantagem do Decreto nº 4.494, de 18 de janeiro último, transformação do referido projeto, não se resume, platonicamente, no levantamento do símbolo, do marco basilar, na área demarcada.

Não, um intuito mais decidido provocou o decreto em questão: o reconhecimento oficial da região goiana como aquela de que trata a Carta de 24 de fevereiro.

Erradamente, espíritos avessos atribuem o delineamento da área planaltina à própria Constituição, que, segundo os mesmos, parece ter encontrado os arcos de meridiano e de paralelo já traçados, debuxando a zona de 14.400 quilômetros quadrados...

Sr. presidente, a situação é muito outra: a Constituição de 24 de fevereiro outorgou à União um direito na expressão do artigo terceiro — fica pertencendo — mas o mesmo ficou sob a condicional da demarcação, submetida esta à aprovação do Legislativo, atentando-se no disposto em o número 13 do artigo 34 do pacto republicano. A demarcação Cruls foi executada em 1893, mas seu reconhecimento oficial só se deu agora com o Decreto nº 4.494.

E esta interpretação é tanto mais razoável quanto qualquer outra poderá prejudicar a legalidade das posses no planalto central. Na opinião de nosso colega Prudente de Morais, esposada por toda a Comissão de Justiça, o território se tornou federal depois da sanção do projeto questionado.

Assim a bela esplanada do vasto divortium aquarum das bacias platina e amazônica, entre os paralelos 4º e 50º, e 5º e 50º [sic], sobejamente cortada de belos caudais, é a zona constitucional de 14.400 quilômetros quadrados, isto é, 90 quilômetros de largura sobre 160 de comprimento.

Sr. presidente, cabe neste lugar um comentário sincero ao Relatório último do sr. ministro da Viação quando aconselha a mudança da capital do Brasil para Petrópolis, cidade que, segundo o mesmo titular, encerra os requisitos do art. 3º da Constituição do país. Isto não é certo, nem léxica nem logicamente falando.

A consideração geográfica da expressão planalto central, explícita na Carta Magna, não pode compreender Petrópolis, a soberana das serras.
Escreveu o sábio Luís Cruls no Relatório da Comissão que assim « se deve entender a parte do planalto brasileiro mais central em relação ao centro do território, isto é, mais próximo deste ».
« Esta é a única interpretação exata da expressão — planalto central — que figura na Constituição. »
Petrópolis foge, portanto, ao texto constitucional e um projeto propondo sua mudança para a cidade serrana seria indubitavelmente ofensivo ao art. 3º da lei básica e aos requisitos necessários à edificação de uma grande metrópole.

O sr. Eliseu Guilherme — Belo Horizonte seria melhor.

O sr. Americano do Brasil — ... do que Petrópolis, mas aquela também não está no planalto central.

O sr. Rodrigues Machado — O local já está definido na Constituição e determinado pelo Decreto nº 4.494, deste ano.

O sr. Americano do Brasil — Perfeitamente, a zona de 14.400 quilômetros quadrados, já demarcada desde 1893, é a que geograficamente preenche as condições propostas pelos legisladores de 1891, e só ela.

Não se pode confundir os dois acidentes — planalto brasileiro e planalto central — são dois conceitos definidos.

O planalto brasileiro, são palavras de Luís Cruls, autoridade máxima na matéria, « ocupa grande parte dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, parte menor do de Goiás, e estende-se sob a forma de faixas estreitas, uma na Bahia, a leste do rio São Francisco, outra a oeste deste mesmo rio, até os limites do Estado de Goiás com os do Maranhão e do Piauí; outra, finalmente, ao longo do litoral, em direção ao sul, até o Rio Grande. Eis em traços largos a configuração geral do planalto brasileiro que nos interessa diretamente ».

Não é só, o ilustre chefe da Comissão de 1892 foi mais claro: « deste planalto, porém, a única parte à qual cabe a denominação de central é aquela que se acha nas proximidades dos Pireneus, no Estado de Goiás, não somente por ser na realidade a mais próxima do centro do Brasil, como também por se acharem aí as cabeceiras de alguns dos mais caudalosos rios do sistema hidrográfico brasileiro, isto é, o Tocantins, o São Francisco e o Paraná ».

Não estivesse a opinião do ilustrado sr. Pires do Rio, o mais jovem de nossos estadistas, em documento oficial de tão alto valor, eu me julgaria dispensado de comentá-la, mas ao menos assim o insigne titular deu-nos o ensejo de sua manifestação favorável à transferência da capital do país, quando semelhante objeto contraria as cogitações do sr. Duque Estrada, abalizado crítico literário, que outro dia afirmou, por intermédio do Jornal do Brasil, estar agora realmente satisfeito porque o planalto tinha a pedra por cima. (Risos). Ao que me lembra, desde um ano, é a primeira opinião divergente sobre a mudança da capital, pronunciada de passagem, entre o humorismo e o sério.

Jamais, sr. presidente, em tempo algum, tanta unidade de vista presidiu os destinos da nação quanto ao almejado desideratum como no ano do centenário, em que se comemora a independência política, sentindo-se o vazio, a inexistência da emancipação econômica ou financeira.

O país está mais agrilhoado aos milhões de estrangeiros, librando-se nos moldes de uma política sem as tradições do verdadeiro patriotismo porque este implica a nacionalização e esta presume o cerceamento de inúmeras liberdades garantidas por nossas leis, liberdades prejudiciais ao futuro da raça e dos cofres nacionais. A transferência da sede do governo, inaugurando um novo ciclo histórico, viria facilitar o estabelecimento, em o núcleo social do planalto central, de certas fórmulas protetoras da defesa econômica.

Não há espaço, entre a magnanimidade e a urgência do problema, para conceitos em contrário. Todos o desejam.

Neste momento, aconselhando o Congresso, a imprensa os patriotas a projetada mudança, custa a crer que motivos hajam a deter a realização do ideal, a impedir a aspiração unânime...
O sr. Eliseu Guilherme — Querem sem querer.

O sr. Americano do Brasil — ... sendo impossível admitir o sacrifício da pátria em benefício de comodidades individuais. Quando está em jogo o interesse nacional...

O sr. Camilo Prates — Interesse vital para a integridade do Brasil.

O sr. Americano do Brasil — ... são mínimos todos os sacrifícios, até o do sangue, mas neste caso apenas entregaremos em holocausto no altar da pátria o supérfluo, os refinamentos sociais.

O sr. Camilo Prates — Os próprios representantes do Distrito Federal estão de acordo com a mudança da capital.

O sr. Americano do Brasil — O atual Distrito ficaria sendo, para satisfação dos cariocas, o Estado da Guanabara, feita a transferência; o Rio de Janeiro nada perderia de sua grandeza material ou intelectual, continuaria a ser a Nova Iorque do Brasil.

Sr. presidente, os grandes inspirados da raça brasileira, síntese das três linhas genitoras, aqueles que no curso sereno ou tumultuoso da história tiveram em suas mãos os fios de Ariadne dos destinos da nação, guiando-a nos campos de batalha ou nos dourados salões da diplomacia, foram por atestados vivos de patriotismo, unânimes em deixar presas às memórias de suas vidas, indicadas em caracteres indeléveis, formosas orações cívicas bordadas com as lantejoulas desse sonho imenso, de patriotismo.

Os inconfidentes lançaram o proveitoso grão; José Bonifácio regou-o com as suas vigílias patrióticas; os regentes colheram a primeira flor; os vultos de 89 tornaram obrigatório o culto à árvore preciosa, que hoje, por um desses golpes felizes do destino, se mostra com toda a pujança justamente quando no pórtico do edifício social da política assoma a figura egrégia de um mineiro, cujo nome está fadado, se o quiser, a ser o extremo dos sonhadores inconfidentes com a transplantação da árvore alegórica para os tabuleiros do Brasil central.

E para que a árvore augusta não se creste ao sol do desengano, cumpre não cessar a propaganda: à imprensa sobretudo cabe o principal papel. Foi por um de seus mais antigos órgãos, o Correio Braziliense que, em 1808, o insigne jornalista J. H. Furtado de Mendonça [Hipólito] pregou largamente, com a autoridade de seu nome ilustre, a brilhante aspiração, decalcando-a com o probloema das finanças, porque o exilado português [brasileiro] era um grande economista.

Sr. presidente, se as revoluções sociais do Brasil marcaram na história uma intensidade de propaganda a favor da mudança da capital, um acontecimento digno de nota impele-a nos dias de hoje, carregando-a para uma áurea fase de realização.

Eis o documento: na voragem do sonho grandioso de Tiradentes, no torvelinho das agitações da independência, no período agitado de regência, no tenebroso caso Christie, na reforma política de 89, foram delineadas as mais notáveis páginas sobre a mudança da capital, páginas inspiradas pelo saber das revoluções.

E a revolução de hoje? Esta é de caráter econômico; é a ânsia de progresso que agita o Brasil, cujo desenvolvimento tem sido retardado, entre outros motivos, pela permanência da capital na orla marítima, na situação excêntrica, tal o cérebro colocado à periferia, incapaz de sensibilizar, de levar vitalidade ao recesso das células mais afastadas.

A osmose comercial do país não tem, à vista semelhante condição, obedecido a um ritmo de evolução, mas ao aceno do valor político das unidades. A capital, no centro, corrigiria o mal, criando, por outro lado, os fiéis copulativos da unidade nacional [sic].

O Brasil quer caminhar para o futuro, atingindo o grau máximo do aparelhamento moderno para disputar os mercados agrícola-pastoris do mundo, oferecendo sua copiosa produção, aumentada de ano para ano.

A terra rica e mal explorada quer inaugurar a nova política financeira e econômica: outra não é a explicação do movimento favorável à mudança, antevista e calculada até no programa do futuro governo.

Sr. presidente, nem os exemplos nos faltam dentro da própria Nação: o Estado de Minas, em dias recentes do século XX [final do século XIX], operou a mudança da sede do governo, fundando Belo Horizonte, com os requisitos modernos de uma cidade higiênica; o Estado do Piauí fez o mesmo, em meados do século XIX, tendo sido na administração Saraiva fundada a cidade de Teresina, atual capital da circunscrição nortista.

Não constituem esses exemplos um brilhante sintoma de atividade, digno de imitação pelos dirigentes dos destinos do Brasil? Nosso país é, na carta da América, uma perigosa exceção, como sede do governo central colocada na orla marítima. Um golpe de vista pelo mapa das duas Américas formará melhor orientação: na do norte, pode-se lembrar que Otawa, no Canadá, foi fundada depois de um bill do Legislativo canadense, especialmente para ser a capital e igualmente Washington, atual residênica do governo dos Estados Unidos.

Ao Brasil se ajusta perfeitamente a condição destes dois países, que levantaram suas capitais longe do mar.

México, Tegucigalpa, Manágua, São José da Costa Rica, Guatemala são cidades centrais; só o pequenino Panamá tem capital marítima na baía do mesmo nome.

Caracas, Santa Fé do Bogotá, Quito, Lima, Santiago, ficam no centro dos territórios.
Montevidéu faz exceção, com o Rio de Janeiro, no contrasenso administrativo da capital marítima.

No velho continente, residência de povos experimentados, vemos ainda que Madri, Paris, Roma, Londres, São Petersburgo, Cristiânia, Bruxelas, Belgrado, Atenas, Sofia, Bucarest, Varsóvia, todas capitais européias ficam longe do mar.

O sr. Nelson de Sena — A Austrália transferiu também a sua capital para o centro.

O sr. Americano do Brasil — Perfeitamente, fornecendo-nos mais um exemplo de real proveito.

Sr presidente, o Brasil não deve também olvidar as lições da grande guerra, mostrando à luz calma do dia que o coração dos homens de hoje pouco difere do órgão central do troglodita, e que as conquistas intelectuais não são ainda tão poderosas que sufoquem a ambição corrosiva das nacionalidades. As duas Américas não pagaram ainda o tributo de sangue em larga escala; a grandeza suprema da América será conquistada em uma guerra.

O Brasil é um vasto país ainda pouco povoado, mas, ao certo, continente das prerrogativas que o impelem ao papel de futuro árbitro da paz americana.

Que se mire no exemplo da grande guerra e prepare a paz pela senda diplomática da defesa nacional.Levantar a capital no interior é um princípio que se impõe, no caminho da organização militar.

Sr. presidente, poderia ter poupado à Câmara a audição destes conceitos sem valor, ditos por mim, que não tenho autoridade (não apoiados), se não me visse obrigado a justificar o projeto em que consubstanciei um conjunto de idéias a aconselhar a mudança da capital sem ônus para a Nação.

Terminaria por certo, neste ponto, minhas considerações, se meu primeiro discurso tivesse suficientemente informado sobre o aspecto da área demarcada.

Críticos particulares e críticos da imprensa me arrastam a ligeiras explicações sobre a hidrografia da bela região, outrossim, respondendo a um colega que duvidava da abundância do precioso líquido em uma zona de divortium aquarum.

A faixa escolhida, cobrindo porções do divisor, se estende por 160 quilômetros de extensão, sobre 90 de largura; é, portanto, um grande território. Contém a nascente das três grandes correntes — o São Francisco, o Paraná, o Tocantins.

Tratando deste valor hidrográfico em uma das últimas edições d'O País, o dr. Azevedo Pimentel, grande conhecedor do planalto central, traçou o quadro completo da possibilidade da região, neste sentido.

Azevedo Pimentel é uma autoridade perfeita, falando-se da mudança da capital. Livros, monografias, conferências e belos artigos, desde mais de 30 anos, tem divulgado entre nós: em todas estas páginas estão diluídos seu coração e sua inteligência de patriota, sendo de estranhar, sr. presidente, que, dada sua reconhecida competência, não fosse convidado para fazer parte da comissão encarregada de levantar o marco básico da futura cidade.

O sr. Otávio Rocha — Isso não é de estranhar, pois também não foram convidados os Andradas para as comemorações do centenário.

O sr. Americano do Brasil — O higienista e o engenheiro não se podem divorciar na localização topográfica de uma zona destinada a tão avantajado plano.

A competência do ilustre chefe da comissão da pedra fundamental, meu particular amigo dr. Balduíno de Almeida, teria brilhante duo com os conhecimentos de Azevedo Pimentel, resultando uma melhor escolha de localidade para a projeção do marco.

Mas, sr. presidente, eu falava da topografia e da hidrografia do planalto central, lembrando mais uma página elevada deste ilustre médico.

Para oferecer uma resposta decisiva aos que põem em dúvida as possibilidades hidrográficas da área demarcada, reportar-me-ei ao seguinte esboço do ilustre patrício, inserto no aludido jornal. [quadro de vasão dos rios do planalto]

E após, sr. presidente, longa observação sobre cada uma destas poderosas correntes, malsinando o local em que foi lançado o monumento da pedra fundamental, termina o instrutivo artigo afirmando que o ponto mais indicado « fica entre os rios Descoberto e Areias, no meio da reta que vai da barra do Guariroba, naquele, à de Macacos, neste, a 1.000 metros de altitude; é o melhor local de todo o Distrito Federal porque tem no tempo da seca 1.220.000 metros cúbicos de água, por dia ».

Só a Roma da idade média, afirma, dava tanta água aos seus habitantes, em número de 1.000.000.

Dispenso-me de outros reparos sobre o assunto, enviando os interessados a consultar o inexcedível Relatório da comissão do Planalto, se desejarem conhecimentos mais minuciosos.
Da beleza do clima, da paisagem, da vegetação, já informei à Câmara, quando defendi desta tribuna o projeto que organiza a justiça no futuro Distrito Federal.

Cabe aqui, muito a propósito, a menção da epístola científica de A. Glaziou, o notável botânico a quem o Brasil tanto deve, relatando a propriedade e a excelência da flora, da paisagem e do clima da área demarcada, zona que percorreu em diversas direções, na extensão de 700 quilômetros.

Melhor assim do que meu próprio testemunho, as palavra so ilustre francês, dirigidas ao sábio Luís Cruls, em 16 de novembro de 1897 [1894], lá mesmo, do belo planalto central, revelam que « o aspecto da região (...) é de um país ligeiramente ondulado: lembra o Anjou, a Normandia e mais ainda a Bretanha [até ] ... climatológicas do ambiente que habita ».

E A. Glaziou termina o eloqüente elogio do planalto central, correspondente à área demarcada, estimando que um estadista brasileiro experimente de visu a excelente perspectiva, apta a marcar uma nova fase social ou econômica na história do país.

Sr. presidente, não deixarei a tribuna sem dizer à Câmara que a nota de um vespertino de ontem, asseverando a indiferença do povo goiano ante a idéia da mudança da capital e apostrofando o Estado de Goiás de circunscrição endividada, não conserva o menor vislumbre de verdade.

Os brasileiros do centro esperam ansiosos a realização do almejado plano de José Bonifácio, e meu Estado, embora pobre, não deve um ceitil sequer: todas as suas dívidas foram resgatadas na administração Alves de Castro.

Goiás espera a aurora redentora na expectativa de futuro melhor.

Na verdade, sr. presidente, auspiciosas serão as perspectivas que se abrirão para o Brasil inteiro.

A transferência garantirá a defesa nacional; ali não ficará a sede do governo exposta às insídias dos momentos incertos; a paz, garantida pela organização militar, porá a coberto a costa e a fronteira.

Ganharão as riquezas naturais que, convenientemente exploradas, muito contribuirão para o soerguimento financeiro, sobretudo quando aproveitarmos convenientemente o carvão, o petróleo, o ouro, três fontes maravilhosas de riqueza, entregues a abandono desolador.

Tem-se dito desta tribuna, repetidas vezes, que o Brasil está à beira de um abismo, que o Brasil está falido.

É velha a figura, mas nunca chegou a ser real. É uma crise transitória esta de agora, nem de leve abalando as proporções basilares das nossas possibilidades de país rico.
Um país cuja produção anual atinge a 8 milhões de contos de réis, ou sejam 1 bilhão de dólares ou 200 milhões esterlinos, não pode nunca estar ameaçado de falência, tem seu crédito garantido.

Que será do Brasil, sr. presidente, no dia em que dispensar o concurso estrangeiro, no dia em que puder utilizar o carvão e o petróleo de seu rico subsolo e armazenar nas arcas do Tesouro a produção aurífera?

É o futuro que nos espera quando o Brasil ditar os preços nos mercados consumidores, como já faz para o café... caminho que atingirá pela rota de uma política essencialmente econômica, inaugurada na nova capital.

O sr. Otávio Rocha — Para restabelecer o Brasil financeiramente basta um quadriênio.
O sr. Americano do Brasil — Não é só: ganhará o problema da viação.

A capital, colocada no centro, prenderia em menos de 20 anos as mais vastas paragens brasileiras, estreitando-as em um amplexo significativo, aproximando os Estados, pondo em contato as populações, elemento cooperador da unidade nacional.

Desta maneira, mais eficazmente do que com a extinção dos símbolos, bandeiras e escudos, trabalharíamos para a integridade da pátria e pela prosperidade deste jovem povo americano do sul.

Sr. presidente, estou fatigando a atenção da Câmara (não apoiados) , por isso vou chegar imediatamente ao cabo do meu tema.

O projeto que tive a honra de apresentar à Câmara dispensa mesmo qualquer justificação: esta já se acha delineada em todas as consciências.

A concorrência pública, sr. presidente, é o remédio providencial, adotemo-lo mais uma vez para tão importante solução econômica.

Os dispendiosos serviços de luz e força, água, esgoto, viação, telefone, em todas as cidades de maior conceito entre nós, estão entregues a companhias nacionais ou estrangeiras, estas últimas, às vezes, com sede em país estranho. Haja vista o exemplo do Rio de Janeiro.

É imprescindível um mais pronto trabalho em prol da beneficiadora idéia da mudança: a construção rápida de uma primeira estrada de ferro prendendo o planalto central ao ponto mais próximo de ferrovia, que fica reservado ao governo por motivos que dispensam comentários ou justificação.

Sr. presidente, devo ainda, ao terminar, repetir que esse projeto é um trabalho coletivo, cuja redação me foi afeta: representa colaboração minha, do nobre deputado mineiro sr. Camilo Prates, do ilustrado senhor Carlos Garcia da bancada paulista, e do sr. Rodrigues Machado, representante maranhense.

Está, com estas últimas palavras, encerrado o programa de minhas considerações sobre a proposição que vai à Comissão de Obras Públicas.

O intuito da medida é digno, é patriótico, merece o acatamento desta ilustre Câmara, representando aspiração, já velha, mais de um século.

A conversão do projeto em lei e o cumprimento desta valerão pelo remédio poderoso a abalar o colosso semi-adormecido, despertando-o para assistir à descoberta da incógnita de sua própria razão de ser.

Desse projeto depende o grande futuro de uma nacionalidade. (Muito bem; muito bem. O orador é vivamente [sic]).


V O L T A R

   

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