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Brasília: síntese política do Marco Zero

 

Por Vírgilio Arraes

Localizada na região Centro-Oeste, Brasília é a mais nova das capitais do país, quiçá da própria América Latina, ao suceder o Rio de Janeiro (1763-1960) e Salvador (1549-1763).

Ela materializou, em sua fundação, o entusiasmo irrestrito da expansão do progresso material durante os primeiros anos da Guerra Fria, conflito de duradoura e contida rivalidade entre o capitalismo norte-americano, subscrito pelo Brasil, e o comunismo soviético.

Em termos históricos, ela representou a grandiosa tentativa, ainda que posteriormente frustrada, de síntese de ocupação coordenada do vasto território nacional.

A ideia de preenchimento estruturado e cadenciado do solo brasileiro havia sido amadurecida no período de Getúlio Vargas. Goiânia compôs, por exemplo, a primeira parte do cobiçoso projeto.

Com apenas cinco décadas de existência, a manutenção do plano de uma capital bem planejada lamentavelmente desapareceu. Com o fim da ditadura militar, a despeito da grande expectativa, não houve o bafejo da sorte para Brasília no tocante à urbanidade coletiva, salvo em poucos momentos.  


Nos dias de hoje, Brasília sofre de problemas similares aos de outros municípios bem mais antigos, nascidos de uma pretensa naturalidade da desigualdade socioeconômica ao tempo da monarquia, indistintamente do caráter colonial ou independente, e da insuficiência de opções de bom convívio coletivo, advindas de longo tempo de precariedade tecnológica.

Ela logo envelheceu. Sua infraestrutura é deveras inadequada; sua distribuição espacial carece de interesse sociopolítico próprio; sua rede social, basicamente amparada na educação e na saúde, é imprópria, por não se adequar às necessidades da população.

Enfim, a atual capital já não se destaca, como na época do nascimento em abril de 1960, aos olhos do povo por um propósito positivamente singular na aspirante civilização brasileira.

De certa forma, ela poderia simbolizar os limites cívicos da democracia pátria, marcada, desde sua recuperação na virada da década de 80, por contínuo impasse na concretização de um regime político-econômico de fato substantivo, não meramente representativo ou formal.

Entre as décadas de 1940 e de 1980, enquanto os países norte-atlânticos renovavam-se ou recuperavam-se através do social-desenvolvimentismo, nós, sul-atlânticos, contentamo-nos com a superação dos problemas por meio do nacional-desenvolvimentismo, caracterizado pela industrialização, urbanização, autoritarismo e desigualdade social.

Cidades podem exprimir a sua maneira o contexto histórico sociopolítico de uma determinada sociedade.

Os russos tentaram modernizar-se à ocidental no início do século XVIII, mas sem renunciar ao absolutismo. Dentro dessa situação paradoxal, a tentativa de atualização desencadeou o estabelecimento de uma nova capital, erigida sob o trabalho forçado de dezenas de milhares de súditos. Nesse sentido, a cidade de São Petersburgo, em homenagem ao imperador, seria a representação mais perceptível da modernização conservadora.

No final do mesmo século, após a conquista da independência junto aos ingleses, os norte-americanos enfrentaram o desafio de erigir uma capital que significasse uma fase distinta daquela sociedade, não mais composta de súditos do ultramar, mas majoritariamente de cidadãos. Como consequência, Washington, em honra do primeiro presidente, seria a exposição daquele regime inédito no Novo Mundo.

Portanto, os dois citados municípios coroaram programas políticos e econômicos ao seu modo bastante ambiciosos. Brasília não seria diferente, ao não derivar somente da idealização de um presidente ou de um religioso como a história de tom oficial costuma propagar.

Suas origens situam-se bem mais distantes, anteriores mesmas ao período republicano. Desta forma, os autores do livro Pedra Fundamental: Marco Zero da Capital traçam-nas com zelo histórico e acuidade literária.

Vinculados ao ensino ou à cultura do Distrito Federal, preocuparam-se eles em registrar de maneira didática a evolução do surgimento da transferência da capital do Brasil, ao mencionar injustamente momentos esquecidos como o do estabelecimento do marco zero, por exemplo.

Assim, contribuem todos eles para aclarar os primórdios da mudança de uma capital e, ao mesmo tempo, para reavivar uma fase da significativa história do Centro-Oeste. 

VírgílioArraes é professor do departamento de história e do instituto de relações internacionais da UnB com atuação em história contemporânea, mais especificamente Estados Unidos. Colaborador do jornal Correio da Cidadania e do sítio Mundorama.

   

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ISSN -  2447-8601