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Estrada de Rodagem no Quadrilátero Cruls
Por Robson Eleutério
Nos primórdios
do século XX, as mercadorias que chegavam à cidade eram
trazidas pelos tropeiros, transportadas em lombos de burros e mulas
ou em carros-de-boi, uma vez que ainda não havia sido aberta
nenhuma estrada para o trânsito de automóveis na região.
Essa situação começou a mudar a partir da construção
de ferrovias em Goiás.
O primeiro trecho da ferrovia goiana foi construído em 1911,
a partir da cidade de Araguari, no Triângulo Mineiro, já
que ali era o fim da trilha da Estrada de Ferro Mogiana, construída
para facilitar a integração econômica entre São
Paulo, Minas Gerais e Goiás. Em 1912, já haviam sido
construídos 80 Km da ferrovia, chegando próximo a Goiandira,
e, no ano seguinte, foram concluídas as obras da linha Goiandira
Ipameri: “ A 10 de novembro de 1913, a população
de Ipameri, entusiasticamente, por entre flores e música, solenemente
inaugurava a Estação Ferroviária de Ipameri.
Foi o início da evolução e do progresso de Ipameri,
incrementando a agricultura, o comércio e as indústrias
do local.” [01]
Nessa época, Ipameri se tornou uma das cidades mais importantes
de Goiás, pois as estações da Ferrovia Mogiana
terminavam em suas terras. Além da Estação Férrea
que ficava dentro da cidade, havia também a importantíssima
Estação de Roncador, cujos depósitos ficavam
lotados de mercadorias para abastecer dezenas cidades, vilas, povoados,
que ficavam isolados no sertão goiano e mato-grossense.
Isso permitiu a Ipameri se transformar num grande centro de distribuição
de mercadorias para as isoladas cidades e vilarejos do centro-oeste,
recebendo diariamente tropas e carros-de-boi oriundas de várias
localidades do interior do país. De acordo com Silvio Fleury:
Como as mercadorias
importadas ficavam depositadas nos pontos terminais da via férrea,
as tropas e carros de boi ali as recebiam dos comissionários
e as levavam ao destino final, os povoados esparsos na imensidão
do território goiano. Urgia um transporte mais rápido
e menos trabalhoso para a distribuição do crescente
volume de produtos solicitados pela população. Assim,
os cidadãos mais progressistas de alguns municípios
enxergaram no veículo impulsionado por motor a gasolina, já
utilizado em vários estados, a solução ideal.
Vislumbraram a solução e, imediatamente, procuraram
viabilizá-la, abrindo as estradas pelas quais os automóveis
e os caminhões se deslocassem. Assim teve início o rodoviarismo
em Goiás. [02]
No ano de 1921, foi aberta
a primeira estrada de rodagem que adentrou o quadrilátero demarcado
por Luiz Cruls, ligando Planaltina a Ipameri. Isso permitiu aos seus
moradores realizar um maior intercâmbio comercial com outras
cidades goianas e Triângulo Mineiro, desdobrando-se numa comunicação
mais rápida com os centros avançados do litoral brasileiro.
Antes dessa época, as mercadorias que chegavam à cidade
eram trazidas pelas tropas, transportadas em lombos de animais e em
carros-de-boi.
Um grande memorialista, o Sr. Alarcão, relatou-nos que até
pouco tempo, havia em Ipameri a Praça Planaltina, tendo recebido
este nome devido ao grande número de carros-de-boi de comerciantes
de Planaltina, que lá ficavam estacionados à espera
de mercadorias. De fato, na cidade havia um grande número de
carros-de boi, resultado de sua localização que a tornava
um referencial para inúmeras cidades do norte de Goiás
e Tocantins, além de Minas e Bahia. Na Av. Quintino Bocayuva
havia uma placa com os dizeres: “é proibido passar carro-de-boi”
No início dos anos 20 o italiano Victorino Bevinhati declarava:
“Consegui matar, em seis meses, 3.500 cabeças na média
de 42.000 a cabeça. Acabei a safra com 500 bois de carro, tinha
um homem fazendo canzil e canga e outro só correias de couro
cru. Esse trabalho deu bastante lucro.” [03]
Após a consolidação de negócios bem sucedidos
em Planaltina, a empresa Bevinhati, Salgado e Cia resolveu investir
numa operação mais ousada: abrir a primeira estrada
de automóvel, ligando Mestre d’Armas a Ipameri. Iniciou
a investida no dia 2 de janeiro de 1921 comandada por Balbino Alarcão
e um contingente de mais de vinte homens trabalhando diariamente,
sendo que em alguns dias, o número de trabalhadores chegava
a 100 pessoas. Balbino era um farmacêutico prático, muito
inteligente, segundo seu Adolvando Alarcão. Ele ainda nos falou
sobre a estrada:
A estrada foi aberta
sobre os espigões que dividiam as bacias, pois esse era o caminho
mais rápido para contornar as nascentes, uma vez que não
havia recursos para a construção de pontes. Se você
olhar nos mapas, vai ver que a estrada não atravessava um só
rio, de Planaltina a Ipameri. O único que atravessava era o
rio do Braço, a 6 km de Ipameri. A estrada começava
no sul de Planaltina, lá nas alturas da Vila, e seguia rumo
à Pedra Fundamental e, de lá seguia para Cristalina,
aproveitando sempre os espigões. Tudo era feito na base da
foice, enxada, picareta, machado, alargando as trilhas dos carros-de-boi
que passavam em cima dos espigões. Para tirar as retas, ele
ia à frente fazendo o reconhecimento do terreno, e, lá
na frente ascendia uma fogueira e vinha e falava para a turma dele:
a reta aqui é daqui até lá naquela fumaça,
dois, três ou quatro quilômetros de distância. Era
assim que ele tirava as coordenadas. [04]
Victorino e Balbino
Alarcão comemoraram a empreitada em Ipameri, onde foram recebidos
com bastante entusiasmo pelas autoridades, moradores e comerciantes,
pois a essa altura, a notícia já havia se espalhado
por várias localidades de Goiás. A Câmara de Vereadores
promoveu uma sessão exclusiva para comemorar o evento.
Seis meses depois, com
a estrada pronta, a empresa adquiriu uma jardineira para o transporte
de passageiros, criando uma linha regular que circulava uma vez por
semana, perfazendo um trajeto de mais de 300 km. Posteriormente, obtiveram
o direito de explorar o pedágio, embora o movimento de automóveis
por essa estrada, naquela época, era coisa rara, conforme relata
Victorino: “a estrada sem movimento, pois não havia automóveis.
Só um que era meu e o outro era de Ipameri. Comprei uma jardineira
para percorrer Ipameri, Cristalina, Planaltina e Formosa.” [05]
Todas as anotações foram registradas em uma caderneta,
remetida a um frade dominicano, com o objetivo de incluir o traçado
da estrada no mapa de Goiás.
Após alguns dias
de descanso, Balbino voltou com a turma para dar os últimos
retoques na estrada, enquanto Victorino comprou um Fordinho, seguindo
para Planaltina a fim de dar a boa nova a Alexandre Salgado e buscar
dinheiro para pagar o pessoal. Ainda, segundo o seu Adolvando “os
trabalhadores eram arregimentados em Planaltina e Cristalina, gente
da região. Naquela época existia grande número
de trabalhadores braçais nas fazendas e isso não era
um obstáculo.”
A partir de Roncador,
última estação da estrada de ferro em terras
goianas, abriu-se uma rodovia tronco, em 1922, dando acesso à
cidade de Goiás, antiga capital do Estado, cujo trecho inicial
passava por Campo Formoso (Orizona), Bonfim (Silvânia) e Anápolis.
[06] Nas mediações da cidade de Silvânia, essa
estrada se ramificou para Cristalina, Luziânia, Planaltina e
Formosa, aproveitando a estrada aberta por Bevinhati.
Nessa época, no norte de Goiás, ainda não havia
sido construída nenhuma rodovia ou ferrovia, e a cidades continuavam
a serem abastecidas pelos tropeiros. Apenas, na década de 30,
foi aberta a primeira rodovia no Tocantins, ligando Corumbá
a Niquelândia. (Foto: Estrada Planaltina Luziânia).
ROBSON ELEUTÉRIO é professor
de História da SEDF e também atua como coordenador do
Instituto Cerratense. Em 2004 idealizou o projeto Estrada Colonial
no Planalto Central, juntamente com o historiador Paulo Bertran,
sendo, posteriormente co-autor do Livro Estrada Geral do Sertão
- na rota das nascentes. Nos últimos anos tem se dedicado à
pesquisa sobre a história da nossa região e, atualmente, à
criação do Ecomuseu e tombamento da Pedra Fundamental como
patrimônio HISTÓRICO NACIONAL.
BIBLIOGRAFIA:
[01] O ENSINO, Jornal. Ipameri, 1914.
[02] FEURY, Sílvio do Rosário Curado. O Automóvel
em Goiás; Anápolis: Ed. Unigraf, 2008.[09] BEVINHATI,
Victorino. “Memória do Ilustre Cidadão –
57 anos de trabalho consecutivos, sem férias”. Biografia
do autor, 1962.
[03] ELEUTERIO, Robson e MENDES, Xiko. Pedra Fundamental: o marco
zero da capital. Brasília, Ed. Cerratense, 20120
[04] ibidem 03, P. 15.
[05] ibidem 03, p 25. |